A noite caiu enquanto Augusto atravessava a rua.
Nada de excepcional nesse fato. Afinal, pensou ele, tratava-se, em último caso,
de uma tecnicalidade legal. Quando é que termina a tarde e começa a noite? No
Brasil, às 18h anoitece. Ponto final. Se não vira bagunça. É preciso preservar
um mínimo de segurança jurídica. Augusto se dizia alguém que
prezava a objetividade. Era reconhecidamente, contudo, um sujeito dividido,
meio em cima do muro: uma pessoa, digamos, crepuscular. Daí a grande
dificuldade que encontrava naquele momento. Veja: às dezessete horas, cinquenta
e nove minutos e cinquenta e nove segundos, pisava ele no asfalto em direção ao
outro lado da rua Sagarana. Às dezoito horas, nós o vemos a meio caminho. E,
segundo seu próprio parâmetro - que, não vamos negar, já encontrou algum
respaldo jurisprudencial - anoitecera. Noitinha. Foi nesse instante que Augusto
se deu conta de que aquele instante poderia se dividir em inumeráveis outros
instantes cada vez menores. E que era dia e noite, dia-noite, noitedia. Lusco-fusco. Seu
critério, então, revelou-se problemático, inaplicável. Sem conseguir se decidir
se era dia ou noite e, aparentemente, sem saber a própria diferença entre noite e dia, Augusto continuou a atravessar a rua sem que nada de excepcional
acontecesse.
4 comments:
Texto maravilhoso!!!!!!! Senti a sensibilidade e a tristeza de Augusto. Essa dor que a dúvida invoca... Acho que é fato esse exorcismo das possibilidades indo e vindo conforme o tempo passa...
Muito obrigado pela leitura, Douglas. É um prazer tê-lo por aqui.
O céu do fim da tarde é o mesmo do início da noite?
Oi, Nanda. Boa pergunta. Só consigo pensar que, até para o céu, é difícil ser o mesmo de si mesmo.
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