Monday, December 17, 2007

dear old stockholm


"A tradição dos oprimidos nos ensina que o 'estado de exceção' em que vivemos é na verdade a regra geral".
Walter Benjamin
ao invés da galinha atordoada pintada por Klee, eu proponho que o Miles seja a representação fidedigna do anjo da história.

Thursday, November 15, 2007

Vigia noturno

Há exatos dois meses eu nada escrevo neste diário. Há quase 36 anos, minha Avó comprava "Noites do Sertão", livro que mudaria por completo sua vida.
Faz mesmo algum sentido se assentar em frente a um computador e digitar letras que formam palavras tão carregadas de preconceitos e de paixões?
Surupita é um pobre coitado ou um herói de verdade? Andam por aí contadores de histórias que relatam feitos fabulosos; cantam as aventuras de valentes homens que eram capazes de vencer o calor e a sede, de suplantar as dores mais agudas, de levar bois e boiadas inteiras até o Goiás. Mas de nada adianta lembrar as realizações de pobres caboclos se eles continuam sendo escravos; se os senhores somente lhes permitem a morte, enquanto esquecimento.
Trabalhar, sabe? --> transformar as coisas de um jeito profundo. Acho que, em verdade, é um pouco isso que a gente sonha. Uma cama bonita, uma roseira defronte da casa, e quatro luas no céu. E depois morrer e virar estrela; ficar brilhando a noite inteira vendo o povo dormindo. Saudade que dá na gente, dá.
Moi, je pense qu'établir quelque moyen-terme c'est un grand erreur. Je n'aime pas Aristote.
Um milhão de formigas no quarto. Juro, todas elas tentando pular na minha cama.
" Tudo porque você veio e ficou. O violão é um pedaço grande do meu coração, que agora entoa esta canção e a alegria de viver".

Saturday, September 15, 2007

Atrevimento sincero

De ti, ainda que em mim, permanecerá para sempre uma imagem em preto e branco.
O vestido esvoaçado, o cabelo preso e o sapatinho de boneca.
E rodar: rodar eternamente nesse encantamento sincero em que tudo é possível.
Pois, de grão em grão, cada filigrana de areia ríspida se esvai desse meu coração.
Um beijo - um beijo daqueles que só podem ser dados em estado ebrifestivo - é a epifania e a catarse.
É a redenção; a tão famosa redenção.



Teu beijo é redentor, menina!, e por isso me atrevo a aqui descrever o indescritível.

Saturday, August 18, 2007

O pior ainda está por vir.

Graviora Manent.


"Adeus amigo porco, amigo sapo, amiga anta. Voltarei ao último recanto onde ainda é possível sonhar. Se sonho, é porque é de sonho que precisais: é em sonho que vos salvo".

O baú d'ouro, o pé-de-feijão, a bota de sete léguas.

Saturday, July 28, 2007

Brincadeiras e Traquinices no Reino Mágico da Fantasia Encantada

Um dia de morte todo dia.
E o dia invisível é um regalo.
Um dia de abissofobia.
E o dia invisível do estalo.
De onde tiras tamanha euforia?
Compete-me navegar triste páralo?
Desperto em tua caligrafia,
encontro descanso ao fim do ralo.
Prensa de Deus é enorme abadia.
Crianças choram de encontro ao malo.
Mas não me pergunte se mia
ou se rosna o canhestro cavalo.
Rir.

Friday, July 06, 2007

Passeio

Eis que o andar redime. O tenro ocaso que ora reflete o sangue das ruas é a mais aconchegante companhia nestes dias cinzentos: os dias sem-fim. A humidade imunda e a fuligem cerrada também são grandes companheiras. Caminhamos todos, lado a lado, numa perfeita simetria democrática em que cada um é obrigado a respeitar os demais; todos sabemos os limites de nossas liberdades. As gotículas enturvecidas pela poluição dos carros não se atrevem, por exemplo, a tomar o lugar da fuligem que entra por minhas narinas e atinge meu pulmão asmático. Quase uma república.

Entretanto, devo me manter firme. O andar redime, como já dizia. Entro cada vez mais em contato com a cidade e a cidade, como ser instintivo que é, começa a impregnar minha pele. Eu gosto muito disso tudo. "Mais uma dose de adrenalina, por favor - assim eu consigo me sentir um pouco mais morto". Maravilhoso! sinta o cheiro acre que emana destes boeiros. Sinta a inefabilidade dos caminhões e ambulâncias que percorrem cada ruela; sinta o Estado entrando nos guetos com o giroflex ligado e pronto para matar e matar; sinta o quão sirênicas são as luzes dos postes; sinta a inexistência tangível das estrelas. "Starless".

Não te desespera, amigo. O andar ainda redime.





"A natureza que se constitui na história humana - no ato de criação da sociedade humana - é a natureza real do homem; por isso a natureza, tal como se constitui através da indústria - ainda que sob uma forma alienada -, é a verdadeira natureza antropológica." Karl Marx, Der historiche Materialismus: Die Frühschriften.

Saturday, June 02, 2007

Dois velhos Comendo













Dois velhos comendo. Óleo sobre muro passado à tela de Goya. Imagem soturna e lôbrega, pintada pelo espanhol, que sugere dois seres humanos decrépitos, cavados e esburacados pela ação do tempo. Sugere.


Esta obra, que é classificada como pertencente à série "pinturas negras", trás um desconforto logo à primeira vista. A quantidade de cores escuras e os traços pouco regulares nos retiram o foco e nos retiram a esperança. "Tempo sobre homem".


O interessante é que a figura nos sugere um novo olhar. Um segundo olhar. E é assim que somos obrigados a nos afastar. Dois passos para trás são necessários . Pois bem, diferentemente da ratio iluminista que nos força a chegar cada vez mais perto e, cada vez mais, iluminar os objetos de nossa razão, Goya nos faz recuar; é no recuo que somos capazes de finalmente focalizar a imagem. Somos impelidos a apreciar a escuridão, o sombrio, o sinistro. Somos obrigados a ver o entorno que nossa razão cisma em escurecer. É neste ponto exato que não conseguimos mais desviar o olhar pura e simplesmente: enxergamos o além que estava enturvecido pela luz. O velho de olhos macabros; o velho cadavérico; a morte. A velhice não é a velhice morta sem a pobreza. Era isso.


Era a pobreza que estava escondida. Era a pobreza que não poderia ser olhada de perto. Goya nos mostra o que temos feito, o quão responsáveis somos pela escuridão do quadro. O ensombrado desperto insinua o dever de sairmos de nós mesmos e voltarmos. Precisamos necessariamente refletir sobre a causa da desgraça daqueles dois homens que, com os passos para trás, já não mais o são. Se o mal pode ser representado, a representação definitiva da pobreza é essa: obscura, de difícil focalização; solitária mesmo quando acompanhada; velha, ultrapassada, decadente; desamparada. Enfim, é o olhar.



O ver quando é forçado repugna, amedronta. Novamente a visão parece ficar turva e os olhos teimosamente se fecham ao ir embora. Chega de Goya. Chega de pobreza.

Sunday, March 25, 2007

désormais, désormais

Désormais, j'ajouterai la poésie.
Poésie complémentaire.

Doravante, em cada esquina que eu veja,
em cada esquina que se sinta,
em cada encruzilhada.

O complemento da vida em palavras,
as palavras retratadas, desvairadas.
O ar seco, doidivanas!

Ma puissance, mes mots.

Tuesday, March 20, 2007

Augere


  • Importante na vida é a gente se fazer lembrar.
  • É a gente lembrar que é possível ser lembrado.
  • Pois lembre-se que, outrossim, a lembrança é o avesso do esquecimento.
  • Esquecer o esquecimento é se lembrar?
  • Lembrar de quando a gente se lembrava é assumir que já havíamos esquecido.

Lembra de mim?

Monday, February 26, 2007

Canção da Partida

" Minha jangada vai sair pro mar
Vou trabalhar, meu-bem-querer.
Se Deus quiser, quando eu voltar do mar
Um peixe bom eu vou trazer.
Meus companheiros também vão voltar
E a Deus do céu vamos agradecer".

Sublime.


Hegel não havia escutado Dorival Caymmi quando disse que "o fim da arte é superar a arte".

Wednesday, January 24, 2007

A catarse no brejo ou Sapo e tristeza na Beira do Rio

Olha lá o sapo brejeiro!
Corre sapo tunante, corre e entra no rio.
Tua necedade se abre enquanto diabo-sorrio.

Olha lá que sapo matreiro!
Umas mil tunas de sapos com frio.
Mexe e te escondes: vai sapo vadio!

Olha lá que sapo dengueiro...
Em vão dissimulas teu vistoso brio.
Sapo brejeiro, sapo em vadio compadrio.


A Floresta pega fogo e o sapo, aquele mesmo sapo estulto e vadio, lança-se em louca perdição. A margem do rio não esconde o afã das chamas. A casa do sapo, a beira do rio, agora é um triste lamento. O sapo que passava frio agora queima na fúria do homem e na fúria do fogo. Triste destino.

Ó desditoso companheiro, compadeço-me em teu penar. O fogo que te queima expurga as paixões que me assolam.

Eu te reconheço.

Sunday, January 14, 2007

Inflexão morosófica.

Em meio à cordialidade que me é inerente, gostaria de fazer mais alguns apontamentos sobre tudo o que remete à loucura e ao pensamento morosófico saturnino. Cordialidade e loucura, talvez, devessem ser interpretadas e interpeladas de uma mesma maneira: na minha opinião cordialidade pode ser explicada como o aspecto mais sublime daquilo que se entende por loucura. A cordialidade é a loucura em estado bruto, é aquilo que nos impede de ser racional na vida em sociedade, é aquilo que nos impede uma construção mais sólida de uma democracia, é aquilo que nos impede a fixação de um liame moderno. Só mesmo um louco pode não saber exatamente a diferença entre o que é público e o que é privado, você há de concordar.

Certo, não restam mais dúvidas. Mas o que pode fazer, então, uma nação de loucos? Uma nação formada por seres humanos que amam demais, por seres humanos muitas vezes mais interessados na beleza dos sentimentos do que na leveza do capital ou na dureza de uma república sólida e rígida, cheia de modernices, cheia de certezas. Aquela xícara de açucar você não deve ter recusado, certo?

Ultimamente eu tenho tido medo destas certezas todas, destas todas certezas. Tolices criadas por alguns franceses, uns ingleses e uns alemães (quiçá uns norte-americanos) e incorporadas por nós em solos férteis regados ao melhor sal europeu. (E aqueles que nutrem certeza na ciência? Estes chegam a me divertir muito, mais talvez do que aqueles racionalistas divertiam Erasmo. Os mais certos na ciência geralmente são aqueles que menos a conhecem, tamanha a ironia e a lógica desta relação). A loucura cordial é uma das formas de libertação destas lógicas certas, destas lógicas, da lógica.Ultimamente eu tenho tido medo destas certezas todas.

Afinal de contas, como já diria o nosso querido Érico Veríssimo, na voz de Francisco Vacariano: "eu ainda duvido que ela (Antares) seja maior que o sol". Viva a cordialidade! Viva a loucura, pelo amor de Deus.

Sunday, January 07, 2007

Reflexão morosófica n. 1

Aí está tudo o que queria dizer.
Relações de causa e efeito vão se propagando e
sem mais nem menos surge a síntese de tudo o que
gostarias de dizer. Dizer-me.

É a morosofia que comanda nossas almas
a partir do presente momento. Nada de poesia.
Muito menos filosofia. Poiesis, ou seja lá como se escreva isso,
é só um sonho distante pensado por um velho barbudo.

Estamos todos de volta. Agora é a deusa que vem nos guiar.
Ela está ali na sala a me olhar...
Racional uma ova! Aqui não se verá nada de novo, nem nada de diferente:
há somente aquela velha constatação.

êita loucura. êita insensatez. Que bom que voltastes!
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