Saturday, June 02, 2007

Dois velhos Comendo













Dois velhos comendo. Óleo sobre muro passado à tela de Goya. Imagem soturna e lôbrega, pintada pelo espanhol, que sugere dois seres humanos decrépitos, cavados e esburacados pela ação do tempo. Sugere.


Esta obra, que é classificada como pertencente à série "pinturas negras", trás um desconforto logo à primeira vista. A quantidade de cores escuras e os traços pouco regulares nos retiram o foco e nos retiram a esperança. "Tempo sobre homem".


O interessante é que a figura nos sugere um novo olhar. Um segundo olhar. E é assim que somos obrigados a nos afastar. Dois passos para trás são necessários . Pois bem, diferentemente da ratio iluminista que nos força a chegar cada vez mais perto e, cada vez mais, iluminar os objetos de nossa razão, Goya nos faz recuar; é no recuo que somos capazes de finalmente focalizar a imagem. Somos impelidos a apreciar a escuridão, o sombrio, o sinistro. Somos obrigados a ver o entorno que nossa razão cisma em escurecer. É neste ponto exato que não conseguimos mais desviar o olhar pura e simplesmente: enxergamos o além que estava enturvecido pela luz. O velho de olhos macabros; o velho cadavérico; a morte. A velhice não é a velhice morta sem a pobreza. Era isso.


Era a pobreza que estava escondida. Era a pobreza que não poderia ser olhada de perto. Goya nos mostra o que temos feito, o quão responsáveis somos pela escuridão do quadro. O ensombrado desperto insinua o dever de sairmos de nós mesmos e voltarmos. Precisamos necessariamente refletir sobre a causa da desgraça daqueles dois homens que, com os passos para trás, já não mais o são. Se o mal pode ser representado, a representação definitiva da pobreza é essa: obscura, de difícil focalização; solitária mesmo quando acompanhada; velha, ultrapassada, decadente; desamparada. Enfim, é o olhar.



O ver quando é forçado repugna, amedronta. Novamente a visão parece ficar turva e os olhos teimosamente se fecham ao ir embora. Chega de Goya. Chega de pobreza.
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